Engravatados
ostentando em suas lapelas o símbolo do esquadro e do compasso, assistiam lá do
fundo do salão a reunião. Acompanhavam melancolicamente o transcorrer dos
pronunciamentos, todos eles, tentando explicar qual o significado de
representar o povo. No transcorrer de duas horas, o lavrador, o açougueiro, o
pedreiro, a aposentada, o sindicalista, todos com médio ou poucos estudos,
explicavam aos doutores didaticamente por qual motivo estavam por lá, e por
qual motivos lhes era justo receber seu soldo.
Os cultos e
idôneos senhores, médico, farmacêuticos, dentista, advogados, empresários,
fazendeiros, e outros profissionais, em silêncio, ouviam lições de cidadania
dos verdadeiros representantes do povo. E qual era o desejo destes? Reduzir os
subsídios dos já mal remunerados legítimos representantes do povo, ainda a
serem eleitos dois meses depois.
Vontade
popular! Esses senhores pouco letrados que decidem em nome do povo não podem
receber bem! E quem dirá dos próximos, a serem escolhidos em outubro? Ainda
anônimos, acusados de que não vão fazer nada na próxima legislatura, ainda que
nas mãos do próprio povo (e não dos atuais vereadores) a escolha dos
funcionários da casa para o ano de 2017.
Há 300 anos
atrás, um barão, membro das elites francesas em períodos absolutistas, escreveu
um texto onde dizia que um governo do povo precisava ter um sistema de
controles, onde o poder não ficava apenas na mão de um rei, mas repartido entre
três órgãos, e um deles, saído do povo, que faria as Leis. Caberia aos reis e
aos barões executá-las, e se sujeitarem às fiscalizações desses representantes,
que viriam de todas as classes, inclusive entre os pobres e incultos.
A essência da
idéia do barão de Montesquieu, seu magnum
opus “O Espírito das Leis” era diluir a concentração do poder da mão dos
barões e dos doutores, e passar uma fração deste ao povo, através de seus
representantes. Parte da luta por esses ideais foi incorporado por vários
estudiosos, por Estados e por ordens, como por aquela fundada pelos
construtores de catedrais da velha Inglaterra, a Maçonaria.
Hoje,
paradoxalmente, os barões e doutores querem menos poder aos representantes do
povo. E menos poder ainda para aqueles desacreditados que ainda serão eleitos
por todo povo daqui a dois meses. De porte de seus ternos e insígnias,
intimidam simbolicamente, com olhares fixos e porte disciplinado. Ternos
finíssimos por sinal, que intimidam os amarrotados jalecos dos parlamentares
que lá exerciam sua representação.
Ora, o que é
Poder? A Carta Magna diz que ele emana do povo, através de seus representantes
eleitos, mas desde pequeno eu ouvi falar que quem mandava era o Capital. Também
ouvi falar que quem mandava era a Maçonaria, ordem dos poderosos, membros das
forças ocultas, por trás dos poderes. Forças ocultas estas, capazes de
mobilizar o capital em prol da eleição de pessoas para defender seus
interesses.
Não foi isso
que pareceu. “Eu sempre pensei que a maçonaria era poderosa”, mas mesmo assim o
eletricista, o professor, o agricultor familiar, contavam o porquê de seus
cargos e diziam: “a gente representa sim, e trabalha, e todo mundo aqui pode
ser demitido dia 2 de outubro, nas urnas”.
Ora, numa
sociedade democrática, quem deve ter o poder? A elite engravatada ou aqueles
escolhidos pelo povo? E quem ganha mais dinheiro? O vereador ou o médico, o
advogado, o dentista, o fazendeiro? Lá não pairava dúvidas sobre quem tinha
mais poder econômico, mas, despontava no ar, uma suspeita de quem tinha mais
poder de verdade, mais poder legítimo.
O bem-sucedido
empresário não conseguia verba do deputado para a sua associação e precisou da
ajuda do pobre e precariamente escolarizado vereador. O fazendeiro precisava da
autorização do legislador para regularizar seu loteamento. O médico precisava
da intervenção do parlamentar para exercer de forma plena seu ministério na
casa de saúde pública.
Mas não era
assim que parecia. Nós, poderosos da maçonaria, viemos aqui exigir: vocês não
podem ganhar muito. Esquece o engravatado que precisou do poder público para as
verbas para a creche, o hospital, o Asilo, a ambulância, a Lei, o contrato,
etc.
Quando vejo o
povo se queixar do que irão pagar para os representantes que ainda vão
escolher, nunca tenho certeza se é ingenuidade ou despeito pela incapacidade de
ser escolhido como representante do povo. Mas de qualquer forma verdades
precisam ser ditas.
A primeira
delas, e mais dura: o aumento do salário do vereador causa um impacto
insignificante aos cofres públicos. Reduzir os salários só poderia reduzir a
qualidade do trabalho do vereador e gerar mais gastos públicos, já que hoje, a
soma dos salários de todos os vereadores e outros 9 servidores da Casa
Legislativa é inferior a 0,3% da Receita Corrente Líquida do município,
incomparável com as despesas com juros, previdência social, encargos para
contratos de obras ou mesmo os 15% gastos com transporte escolar.
Isso levando
em conta que o orçamento do município é insignificante perto do orçamento do
Estado e da União. Os engravatados não tiveram coragem de questionar os 55 mil
recebidos pelo juiz da comarca no mês de junho, sendo 7 ml de indenizações e
mais de 29 mil em verbas adicionais, que incluem diárias de mais de 500 reais
para trabalhar em cidades de distância inferior a 30 km, sem pernoite. E veja
ainda os salários de outros servidores do Judiciário, do Ministério Público e
de outros poderes, não eleitos e nem representantes do povo, impossíveis de
serem demitidos pelo voto do povo em 2 de outubro.
Por trás de um
discurso pretenso de democracia e cidadania, transmitem (ainda que ingenuamente
e imbuídos de boa fé), uma péssima lição às futuras gerações, desvalorizando o
poder legítimo, e desestimulando as pessoas idealistas de ocuparem cargos
eletivos.
Protestar
contra o salário dos vereadores não é bonito! É desvalorizar algo que faz parte
da essência da democracia. Deveria se trabalhar para que o povo seja educado
para votar bem e fiscalizar a atuação do parlamentar, incluindo não se votar
para “pagar um favor” e para que política seja leva a sério, e para que os
jovens sonhadores ingressem na política.
Nunca tive
vontade de ser Demolay – disciplina rígida não me interessa – mas não me
conformava de nunca terem me convidado. Como assim? Eu? Um homem sonhador,
despegado de dinheiro, trabalhador.... Mas, muitos de meus colegas que se tornaram
demolays são hoje engenheiros, cientistas, economistas, empresários, advogados
e médicos, mas, talvez nenhum, político. Porquê não?
Não proteste
pelo salário do vereador. Proteste para que o vereador trabalhe, e, nesse
momento, que o povo vote naqueles que tiverem o melhor histórico, as melhores chances
de representar o povo.
Quanto aos
maçons, há coisas que eles podem fazer que representariam mais economia aos
cofres públicos, como prestar serviços de médico, dentista e farmacêutico
gratuitamente no hospital, dispensando serviços extraordinários ou suas
despesas; desocupar bens pertencentes às sociedades beneficentes para que sejam
usufruídos por profissionais contratados pelo poder público, com limitação de
lucros; fornecer bens e serviços a preço de custos; prestar serviços
voluntários; abrir mão de pagamentos como defensores públicos ou pagamentos do
SUS, etc.