quarta-feira, 13 de março de 2013

A Cidadania começa com o Alfabeto: um ensaio sobre a necessidade da formação de professores criativos



“Só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa”
Ulisses Guimarães

Dedico esse texto aos jovens professores que começaram pelas minhas mãos esse ano, ou, estão no início de suas carreiras, que espero que sejam brilhantes: Adriana, Alessandro, Angélica, Bayron, Daniel, Daniele, Eliana, Fernanda, Gabriela, Liliane, Lucas, Melina, Robson, Rosana, Rosane, Saulo, Tânia, Tayna e Tiago.

            Sabiamente em outubro de 1988 quando era promulgada a Constituição Federal, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Deputado Ulisses Guimarães proferiu uma magnífica conferência, onde lamentava existirem 25% de analfabetos num país com quase 200 milhões de habitantes.
            Muita gente não sabe, mas esse número de analfabetos é pouco menor, e, aumenta-se pessoas alfabetizadas que não possuem o domínio adequado da língua. Eu penso no poder libertador do conhecimento, mas acho que isso passa pela formação de professores.
            Como um país quer ter bons professores se a profissão docente é extremamente desrespeitada? Nota-se que a mídia e a televisão valorizam o professor, mas, na prática, ninguém quer ser professor.
            Vejo que há equívocos nas políticas públicas de professores. Uma delas é a exigência absurda de aumentar a escolaridade para as pessoas iniciarem a docência: acredito que professores jovens, de quatorze a vinte anos, tendem a ser muito criativos, e, se formarão professores muito melhores. Há sim a necessidade de uma formação melhor e mais ampla, porém, é absurdo suprimir o Curso Normal de Nível Médio.
            Outra política absurda a bacharelização da formação docente. Quer dizer: licenciatura tornou-se uma formação de bacharel! A formação do professor deve ser mais focada na criatividade, no idealismo, na liberdade, e não no academicismo exagerado. Deve-se sim, formar o pesquisador, porém, o docente da educação básica, precisa estar preparado para conviver com pessoas, para criar, para transformar.
            Noto que professores leigos tendem a ser melhores professores do que professores bacharelizados em cursos de licenciatura (sic). A sensibilidade é mais importante para um docente do que o domínio de técnicas.
            Quando eu leio sobre as escolas de ontem, me fascina ver que tínhamos professores músicos, regentes de orquestras, chamados de Maestros. Me fascina ver lecionando na escola o médico, o juiz, o poeta. Me fascina ver brilhantes discursistas, autores de livros, lecionando para crianças.
            Eu queria uma escola onde jovens pudessem começar sua carreira com idealismo. Esses são os docentes do futuro, como eu sou.
            Há duas experiências singulares em minha vida, todas abortadas muito cedo pela estupidez da política local, mas, com características que me lembram o idealismo de Salathiel de Almeida e depois de Willian Perez, dois grandes contribuidores para a grandeza da educação de Muzambinho. São essas duas experiências o Projeto Athenas e a minha reelaboração do Colégio Comercial.
            Quando vejo os jovens professores lecionando tenho orgulho de ter feito a coisa certa. Quando olho as aulas da garota Tayna, melhor aluna de sua universidade pública, eu vejo uma educadora exemplar, que aprendeu com a teoria e está fazendo tudo bem feito na prática – eu vejo e penso: “está aí começando mais uma dona Delze, mais uma grande professora”. E também me espelho, ao ver a construção de seu trabalho como professora, tão competente quando pessoas mais velhas.
            Quando observo as aulas de Melina, com apenas 19 anos, a mais jovem professora da escola, idealista, cheia de fôlego, dedicando todo seu tempo e vontade para preparar belas aulas, eu fico admirado: “como é inteligente essa garota!”. E se sai brilhante professora.
            E para professores eu chamei o engenheiro, o médico, o advogado, a enfermeira, o contador, e, brilhantes aulas aparecem, com muitos e muitos docentes diferenciados, alguns brilhantes, outros que tentam brilhar suas luzes.
            Quando vejo a experiência de cada docente leigo no Projeto Athenas eu fico admirado: “Como pode? Como alguém tem a capacidade brilhante de percepção de como se dá uma boa aula sem ter se formado professor?”. E a resposta é simples: eles foram muitos anos alunos, e, pegaram o melhor de cada um dos professores que tiveram, e, sem nenhuma base teórica, mas, com a prática de milhares e milhares de horas dentro de uma sala de aula conseguem elaborar suas práticas, e criam novas teorias sem registro.
            Ora, a teoria é a prática dos outros. Quem observa por mais de duas décadas professores dos mais variados tipos, por cento e cinquenta dias por ano, quatro horas por dia, tem a condição de desenvolver intuitivamente a sua teoria do que é certo e do que é bom. A formação de um educador não depende de aprender metodologias, mas sim de entender o que é educar.
            Não defendo os professores leigos. Apenas acho que a formação docente pode ser diferente. Ela pode ser simultânea ao exercício da docência, paralela a outros trabalhos, voluntária ou em co-docência. A formação pode ocorrer em serviço ou com leituras paralelas.
            Eu pensava o Colégio Comercial como um celeiro de formação, onde os professores leigos aprenderiam na prática, vivendo, e, somar-se-ia às suas práticas a formação teórica contextualizada com o cotidiano.
            Na realidade praticamente todos os professores se formam assim.
            Eu defendo que a formação docente possa começar com o Curso Normal, de nível médio. Que os professores sejam selecionados a partir do primeiro ano de faculdade e tenham experiências teóricas e práticas simultâneas. Que sejam docentes também profissionais liberais, funcionários públicos de outras carreiras e pequenos empresários com uma formação mínima. Eu defendo a desburocratização da autorização para docência.
            Penso que a formação mínima de um docente para educação básica passa pelos conhecimentos de fundamentos de Filosofia, Psicologia, Política, Sociologia e História da Educação, além da Estrutura e Funcionamento da Educação e das Políticas Públicas em Educação. E no início da prática, conhecer as pesquisas na área pedagógica específica de cada disciplina.
            Penso que, exceção a tudo que eu disse, se faça para professores de educação infantil e de alfabetização, que exigem formação muito mais sofisticada. Porém, para atender ao contingente de analfabetos de nossa sociedade, é possível uma rápida formação.
            Acho que as grandes mentes de nossa sociedade podem ser professores. E eles podem começar a lecionar em cursos livres, cursinhos preparatórios, cursos técnicos, em disciplinas mais livres.
            A cidadania começa no alfabeto, mas quem alfabetizar? Todos nós podemos ser professores.

Muzambinho, 14 de março de 2013

Post Scriptum: Vão dizer que quero PRECARIZAR A FUNÇÃO DOCENTE. Ora, nunca fui simpático aos sindicalistas, pois, acho que o salário justo para o professor é devido, porém, se a formação e precária e há descompromisso com a essencial função de ensinar, eu discordo da legitimidade dos debates. Eu nunca concordei com o sindicalismo em educação pois havia protestos contra os baixos salários, mas não contra os absurdos das políticas públicas que prejudicam os alunos: parecia preocupação com o salário e não com a Educação, e na função essencial do professor.

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