“Só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora,
tem hospital e remédio, lazer quando descansa”
Ulisses Guimarães
Dedico esse texto aos jovens professores que começaram pelas
minhas mãos esse ano, ou, estão no início de suas carreiras, que espero que sejam
brilhantes: Adriana, Alessandro, Angélica, Bayron, Daniel, Daniele, Eliana,
Fernanda, Gabriela, Liliane, Lucas, Melina, Robson, Rosana, Rosane, Saulo, Tânia,
Tayna e Tiago.
Sabiamente
em outubro de 1988 quando era promulgada a Constituição Federal, o presidente
da Assembléia Nacional Constituinte, Deputado Ulisses Guimarães proferiu uma
magnífica conferência, onde lamentava existirem 25% de analfabetos num país com
quase 200 milhões de habitantes.
Muita gente
não sabe, mas esse número de analfabetos é pouco menor, e, aumenta-se pessoas
alfabetizadas que não possuem o domínio adequado da língua. Eu penso no poder
libertador do conhecimento, mas acho que isso passa pela formação de
professores.
Como um país
quer ter bons professores se a profissão docente é extremamente desrespeitada?
Nota-se que a mídia e a televisão valorizam o professor, mas, na prática,
ninguém quer ser professor.
Vejo que há
equívocos nas políticas públicas de professores. Uma delas é a exigência
absurda de aumentar a escolaridade para as pessoas iniciarem a docência:
acredito que professores jovens, de quatorze a vinte anos, tendem a ser muito
criativos, e, se formarão professores muito melhores. Há sim a necessidade de
uma formação melhor e mais ampla, porém, é absurdo suprimir o Curso Normal de
Nível Médio.
Outra
política absurda a bacharelização da formação docente. Quer dizer: licenciatura
tornou-se uma formação de bacharel! A formação do professor deve ser mais
focada na criatividade, no idealismo, na liberdade, e não no academicismo
exagerado. Deve-se sim, formar o pesquisador, porém, o docente da educação
básica, precisa estar preparado para conviver com pessoas, para criar, para
transformar.
Noto que
professores leigos tendem a ser melhores professores do que professores bacharelizados
em cursos de licenciatura (sic). A sensibilidade é mais importante para um
docente do que o domínio de técnicas.
Quando eu
leio sobre as escolas de ontem, me fascina ver que tínhamos professores
músicos, regentes de orquestras, chamados de Maestros. Me fascina ver
lecionando na escola o médico, o juiz, o poeta. Me fascina ver brilhantes
discursistas, autores de livros, lecionando para crianças.
Eu queria
uma escola onde jovens pudessem começar sua carreira com idealismo. Esses são
os docentes do futuro, como eu sou.
Há duas
experiências singulares em minha vida, todas abortadas muito cedo pela
estupidez da política local, mas, com características que me lembram o
idealismo de Salathiel de Almeida e depois de Willian Perez, dois grandes
contribuidores para a grandeza da educação de Muzambinho. São essas duas
experiências o Projeto Athenas e a minha reelaboração do Colégio Comercial.
Quando vejo
os jovens professores lecionando tenho orgulho de ter feito a coisa certa.
Quando olho as aulas da garota Tayna, melhor aluna de sua universidade pública,
eu vejo uma educadora exemplar, que aprendeu com a teoria e está fazendo tudo
bem feito na prática – eu vejo e penso: “está aí começando mais uma dona Delze,
mais uma grande professora”. E também me espelho, ao ver a construção de seu
trabalho como professora, tão competente quando pessoas mais velhas.
Quando
observo as aulas de Melina, com apenas 19 anos, a mais jovem professora da
escola, idealista, cheia de fôlego, dedicando todo seu tempo e vontade para
preparar belas aulas, eu fico admirado: “como é inteligente essa garota!”. E se
sai brilhante professora.
E para
professores eu chamei o engenheiro, o médico, o advogado, a enfermeira, o
contador, e, brilhantes aulas aparecem, com muitos e muitos docentes
diferenciados, alguns brilhantes, outros que tentam brilhar suas luzes.
Quando vejo
a experiência de cada docente leigo no Projeto Athenas eu fico admirado: “Como
pode? Como alguém tem a capacidade brilhante de percepção de como se dá uma boa
aula sem ter se formado professor?”. E a resposta é simples: eles foram muitos
anos alunos, e, pegaram o melhor de cada um dos professores que tiveram, e, sem
nenhuma base teórica, mas, com a prática de milhares e milhares de horas dentro
de uma sala de aula conseguem elaborar suas práticas, e criam novas teorias sem
registro.
Ora, a
teoria é a prática dos outros. Quem observa por mais de duas décadas
professores dos mais variados tipos, por cento e cinquenta dias por ano, quatro
horas por dia, tem a condição de desenvolver intuitivamente a sua teoria do que
é certo e do que é bom. A formação de um educador não depende de aprender metodologias,
mas sim de entender o que é educar.
Não defendo
os professores leigos. Apenas acho que a formação docente pode ser diferente.
Ela pode ser simultânea ao exercício da docência, paralela a outros trabalhos,
voluntária ou em co-docência. A formação pode ocorrer em serviço ou com
leituras paralelas.
Eu pensava o
Colégio Comercial como um celeiro de formação, onde os professores leigos
aprenderiam na prática, vivendo, e, somar-se-ia às suas práticas a formação
teórica contextualizada com o cotidiano.
Na realidade
praticamente todos os professores se formam assim.
Eu defendo
que a formação docente possa começar com o Curso Normal, de nível médio. Que os
professores sejam selecionados a partir do primeiro ano de faculdade e tenham
experiências teóricas e práticas simultâneas. Que sejam docentes também
profissionais liberais, funcionários públicos de outras carreiras e pequenos
empresários com uma formação mínima. Eu defendo a desburocratização da
autorização para docência.
Penso que a
formação mínima de um docente para educação básica passa pelos conhecimentos de
fundamentos de Filosofia, Psicologia, Política, Sociologia e História da
Educação, além da Estrutura e Funcionamento da Educação e das Políticas
Públicas em Educação. E no início da prática, conhecer as pesquisas na área
pedagógica específica de cada disciplina.
Penso que,
exceção a tudo que eu disse, se faça para professores de educação infantil e de
alfabetização, que exigem formação muito mais sofisticada. Porém, para atender
ao contingente de analfabetos de nossa sociedade, é possível uma rápida
formação.
Acho que as
grandes mentes de nossa sociedade podem ser professores. E eles podem começar a
lecionar em cursos livres, cursinhos preparatórios, cursos técnicos, em
disciplinas mais livres.
A cidadania
começa no alfabeto, mas quem alfabetizar? Todos nós podemos ser professores.
Muzambinho, 14 de março de 2013
Post
Scriptum: Vão dizer que quero PRECARIZAR A FUNÇÃO DOCENTE. Ora, nunca fui
simpático aos sindicalistas, pois, acho que o salário justo para o professor é
devido, porém, se a formação e precária e há descompromisso com a essencial
função de ensinar, eu discordo da legitimidade dos debates. Eu nunca concordei
com o sindicalismo em educação pois havia protestos contra os baixos salários,
mas não contra os absurdos das políticas públicas que prejudicam os alunos:
parecia preocupação com o salário e não com a Educação, e na função essencial
do professor.